sábado, 21 de março de 2009

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A FÉ

Existem, basicamente, dois tipos de fé: a fé que remove montanhas e a fé que constrói montanhas onde antes não havia nada.
Particularmente eu nunca vi a primeira em ação, pelo contrário, ele é um entrave para o segundo tipo de fé. Essa é uma área sutil de se tratar pois tocamos no mais íntimo das pessoas, que são suas esperanças e sonhos. O papel da fé é esse: proporcionar sonhos. Diga-se, de passagem, que a fé encontrou um poderoso concorrente, o neoliberalismo que também promete tudo.
Genuinamente a fé é um dom que aponta, não para qualquer signo, mas para Deus. Quero tentar refletir um pouco, na medida do possível, sobre duas demonstrações diferentes de fé. A dos teólogos e a do povo. Há um preconceito circular que entre teólogos ou cientistas de outras áreas não haja lugar para a fé. Pois bem, entre muitos nomes influentes do século passado, eu destaco Pascal que disse: crer em Deus não é saber de Deus mas é sentir Deus, pois o cientista, com seu trabalho, tem a oportunidade de tocar o rosto de Deus visto que ninguém mais tem esse privilégio. Essa fé é genuína, não há superstições nela. Esse é o grande desafio para se chegar a uma fé profunda. É preciso destruir aquilo que se foi acumulando à fé. Atrelou-se a ela tantos signos e ritos e convenções, Complicou-se a maneira de ter fé. As instituições religiosas, no mundo todo, inventaram tantos apetrechos que as pessoas acabaram esquecendo o alvo.
Quero ilustrar. É como se um grande empresário tivesse um condomínio e no centro dessa construção tivesse um jardim. Todos os dias esse homem simples resolve visitar esse vergel mas no caminho há sempre uma série de cuidados que reclamam sua atenção. São crianças a correrem, um vazamento aqui, um morador que quer lhe falar, uma pintura que precisa ser revista etc... Assim passa o tempo e ele termina por contentar-se apenas com a visão do seu jardim. Um cientista, um teólogo, ou mesmo um autodidata, ao contrário do nosso personagem entraria nesse condomínio e iria direto para o jardim. Nada o distrai. Esse é o segredo da ciência e da razão crítica: relativisa tudo que não é Deus. Nada mais importa tanto quanto antes, a não ser o Objeto central de sua fé. O que a maioria das pessoas não entendem é simplesmente isso.
Nesse nosso cariri, que é um verdadeiro caldeirão cultural- religioso, ainda sobrevivem ritos como o do querosene e da lamparina para que o “santo não durma no escuro”; há outras irmãs que não cortam o cabelo etc... Tanto um caso como o outro não passam de ritos bíblicos que nem te colocam dentro e nem fora do paraíso pois, como diz o salmista, Deus vê é o coração.
A fé como dom é um enlevo inabalável, é um encantamento, é mística etc...
Para quem tem fé de verdade, Deus é uma experiência de pele. Eu não preciso vestir branco ou azul nem andar com a bíblia de baixo do braço para me sentir filho amado por Ele. Tudo isso é ritual; pode até subsidiar a minha vivência de Deus mas não é tudo. Como diz o apóstolo Paulo: Fé é a posse antecipada daquilo que se deseja (Hb 11,1).
Se não é isso, não passa de propriedade para aqueles que não encaram a realidade. Daí jogam toda a responsabilidade por aquilo que estão vivendo em Deus. Tudo é culpa de Deus... Teólogos, filósofos e cientistas ao contrário têm plena consciência de sua autonomia na vida pessoal e luta por um mundo melhor. Eles sabem que, como na passagem da ressurreição de Lázaro, Deus nunca faz aquilo que o homem pode fazer. Explico: Jesus diante do túmulo, pede para que os homens tirem a pedra, pois isso sim dá para fazermos, o resto é com ele.
Todos nós queremos um mundo melhor e depositamos toda nossa fé em Deus para que isso aconteça, com isso nos isentamos da luta. Fácil é acreditar que a fé pode remover uma montanha mesmo eu estando de braços cruzados ou que se fizer uma novena ou campanha, seja qual for, eu me darei bem no trabalho, no amor, na família etc... A fé foi instrumentalizada, transformou-se num fetiche. Acredita-se mais que para se chegar a Deus a que se galgar centenas e até milhares de degraus de uma enorme pirâmide, herança das religiões. Olvidou-se das mensagens que Jesus nos deixou, que são tão claras... Por ocasião da ressurreição de Lázaro Ele disse: aquele que acreditar em mim ainda que morra viverá. Mas Ele foi ainda mais profundo com relação ao nosso caminhar para Deus. Deixou claro que só existe um caminho que, inexoravelmente, nos leva a Deus, e que nem precisa de fé para isso. Em Mt 25, 31-46 o caminho mostrado por Jesus nos deixa frente a frente com as necessidades do outro. Segundo o texto Deus, que é nosso fim, é conseqüência, prêmio poderíamos dizer, de uma vida extremamente caritativa. É a nossa atitude diante daquele que tem fome, do que está nu ou doente ou até preso que vai determinar se estaremos a direita ou a esquerda do Pai. Aqui Jesus não fala de religião, de igreja e nem sequer de fé para nossa salvação.
A minha fé em Deus deve ser tão axial quanto o irmão que passa dificuldades ao meu lado. Do contrário ela vai servir, sim, de testemunho contra mim mesmo no final dos tempos. Afinal todos nós sabemos qual é o maior de todos os mandamentos... e não há nele a palavra fé.
NONATO TEÓLOGO

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